quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015


Enganação

O que vejo em seu olhar
 em suas palavras
 em seus gestos
 é o solo árido do presente infértil.

Meu corpo precisa de horizonte para se entregar,
nem que ele seja de mentirinha.

Denise Magalhães




Presságio

Antes que o galo cante,  mas o dia não amanheça
Antes que a semente pegue, mas a ventania destrua o broto
Antes que as asas cresçam, mas o pássaro seja aprisionado
Antes que meu corpo se acostume ao seu, e desista de qualquer outro
Antes que se crie vínculo suficiente para um solo fértil para mágoas
Antes que suas mãos se escondam em minha pele, e a senha de acesso se perca
No fundo de seu olhar para outra
Eu parto


Denise Magalhães

sexta-feira, 21 de novembro de 2014



 dor no corpo
 não é no corpo
 é no corpo
tomo palavras
tomo chá
vou deitar


Denise Magalhães





O real se abateu sobre minha casa
Destruiu o telhado, abalou a cumeeira
e fez outras tantas avarias.
Ai de mim
que ainda não me acostumei...

Precisava ser assim?!!!


Denise Magalhães







Escrito sem voz



Pedras de silêncio entraram em minha boca e me tomaram todo o corpo.
Com seu nada, o silêncio se fez borracha,  apagando em mim qualquer vestígio de abertura para a lida social.
Talvez me encaixem em alguma patologia psiquiátrica, psicológica, sociológica, ou queiram palpitar sobre esse acometimento através de algum sistema filosófico.
Isso se alguém, algum dia, se importar comigo.
Se não... melhor!!!
Fico sossegada.
Inundada de silêncio e longe do teatro humano.


Denise Magalhães

quinta-feira, 30 de outubro de 2014



Circunstância


Na varanda dos fundos:

Três pegadores vazios no varal
Os cães descansam sua animalidade
O branco dorme nas paredes
Os girassóis na toalha da mesa
As portas da frente já estão fechadas
E ouço um ruído que se repete
Insuportavelmente...

São os segundos
Falando a mesma coisa de sempre
Daquele relógio amarelo
Que não sabe das horas
Nem dos dias
Nem de si
Não sabe de nada
Nada
O tempo é uma palavra
Muito dolorida
Muito


Denise Magalhães


quarta-feira, 29 de outubro de 2014



Desabrigo


Passarinho indeciso
na porta da gaiola..

Iminências, quases e afins


Denise Magalhães

terça-feira, 28 de outubro de 2014



Carta a um amor que se foi:


Meu querido,

Obrigada por fazer reviver em mim
Todos os amores que tive
E desculpe por amar em você esses amores
Pois que te amo desse jeito
Tosco, envelhecido, acumulado e sem planos
Mas isto não diminui o que sinto por você
Amor doído, tomado por despedidas
Onde não sou mais inteira...
Desculpe por isso
Por esse amor genuíno
Desprovido de horizonte
Sem guarida, cais, ancoragem
Não tenho mais condições...
Desculpe por isso


Denise Magalhães




Cantoria

Caminho o caminho inverso
Daquele cheio de quereres
De horizonte vasto
e estradas sem fim

Caminho o caminho inverso
Com passadas leves
Curvas brandas
e silêncios aceitos

Caminho o caminho inverso
Na canção do agora
     ré
         mi
             fá   
                 só
Sim.



Denise Magalhães



Uma questão de privacidade



“Olha lá vai passando a procissão, se arrastando que nem cobra pelo chão”. Canção do Gil, que me veio num sábado à noite, quando vi passar, da janela do antigo sobrado onde morei boa parte da infância, uma das inúmeras procissões do ano em minha cidade. Com aquele cheiro familiar de vela acesa, de igreja antiga, com crianças vestidas de anjo, imagens de santos rodeadas de flores, padre, fiéis e mulheres com véu na cabeça e terço nas mãos. Eu, entre as pessoas que “vivem penando aqui na terra” , de repente estava ali, naqueles passos, que caminhei tantas vezes, fazendo ou cumprindo promessas infantis. Na canção, “as pessoas que nela vão passando, acreditam nas coisas lá do céu”..., e o céu, para aquela menina , era o teto azul da terra, sobre o qual “as coisas” ficavam, como num sótão, de onde me espionavam, os santos e os mortos, com seus olhos que tudo atravessavam, tudo, meu corpo, meus pensamentos, sonhos, desejos, temores, tudo viam, sabiam. Meu Deus, como eu não tinha privacidade!!!

Denise Magalhães

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O eremita


Assim como
o leito ressequido do rio
aguarda entre rachaduras
a água fugidia de seu nascedouro

O olhos áridos
vigiam entre miragens
o nascedouro estéril das vontades

Mas o leito permanece leito
no deserto de sua doação

Assim também
haveremos de caminhar
com os ossos enrijecidos
com os pés queimando em brasa
sobre o deserto das horas cotidianas
e sem nenhuma lágrima.

D.J.
Tristeza não é antônimo de alegria
não existe esta antítese
apesar das regras gramaticais

Na vida, vivida, cotidianamente
o antônimo da alegria
se chama resistência
ou insistência.

D.J.

domingo, 17 de fevereiro de 2013


Da pobreza

Certos lugares na alma humana
para se tentar chegar perto
 é preciso:

 1º - olhar de passarinho
        voo de algodão
        pouso de brisa
        flor no coração

2º - perder o nome
      esquecer o futuro
       saber-se  pobre
      guardar semelhança.

3º - não saber como

Denise Magalhães

 


Um escrito sobre Violeta Parra- ou sobre mim.

Assisti outro dia ao filme Violeta foi para o céu, (Violeta se fue a los cielos -  2011) sobre a vida de Violeta Parra e, à parte as questões técnicas sobre a qualidade do filme, ou sobre certas críticas que li de familiar da artista questionando a Violeta mostrada e a que não foi mostrada, quero falar aqui sobre vida e morte, com relação à esta grande mulher, conforme mostrada no referido filme biográfico.
Primeiramente falar do quanto o filme me emocionou, do quanto a força, o talento, o idealismo, o amor ao seu país me fizeram admirar Violeta, sobre a qual pouco ou quase nada sabia e vejo que realmente pouco se sabe e se mostra sobre sua arte e sua vida. Desde que assisti ao filme, fiquei tão impactada, que venho lendo sobre ela e tratei de adquirir um Cd, o que foi difícil achar, infelizmente; na loja que encontrei, depois de passar em várias, só tinha um. Digo infelizmente, pois lamento que uma artista como Violeta Parra, com tamanha importância poética, política, artística, com vários talentos, uma mulher como ela, não deveria ser tão pouco conhecida. Mas enfim, uma mulher, artista e na América-Latina não favorece mesmo o conhecimento; a mídia e os meios de comunicação de massa nos empurram o que importa a nível ideológico e econômico, ter acesso; o que lhes é conveniente para manutenção do controle ideológico e, assim, o estético. Encantou-me as letras e canções da Violeta, tamanha sensibilidade e força, ela é visceral, pungente, de uma verdade e personalidade forte, marcante. O filme mostra uma mulher determinada, comprometida politicamente com o seu povo, com a sua cultura e uma mulher livre, caso contrário, como criar? Durante o filme emocionei-me várias vezes, fui profundamente tocada pela arte e pela vida da Violeta e por que não dizer, pela morte também. Longe de qualquer julgamento de sua escolha em por fim à própria vida, se é que se pode chamar de escolha, falo disso aqui, pois, após vários dias depois de ter assistido ao filme, comprado um CD, ouvido suas músicas, pesquisado sobre sua vida, sua arte, visto fotos, observado as letras de suas canções, enfim, após tudo isso, hoje, semanas depois, foi que me dei conta de que o fato dela ter dado fim à própria vida me tocou muito mais do que imaginei.Quando assisti ao filme não sabia como ela havia morrido, e, após passar quase duas horas com aquela mulher tão sensível e tão forte, saber que ela se matou me incomodou muito, e só agora entendi o quanto e o por quê: tive medo, e talvez ainda tenha.


 Denise Magalhães

sábado, 5 de janeiro de 2013


Viagem


Essa casa antiga, abriga a embriaguez
Essa embriaguez sou eu
como um pequeno asteróide
vagando pelo universo dos homens
sem nome, sem rumo, sem lugar
onde não há vida, nem morte
só poeira condensada
prestes a se chocar
com um planeta qualquer
e sumir, como se nunca tivesse existido.

Denise Magalhães
Bilhete
 
Tenho escrito pouco, vivido pouco, chorado pouco. Há tempos de ser água e tempos de ser rocha; como água sou flúida, as palavras se acercam de mim menos tímidas - como rocha nem ousam se aproximar. Que tudo na vida é muito estranho, principalmente nós mesmos, é fato. Há tempos em que, precisamos dar conta do teatro do real, por uma questão de sobrevivência, ou somos engolidos por nossa própria boca e a saliva da loucura.  
 
Denise Magalhães

Caminhos
 

Que venham as saudades todas
Como um enorme tapete espinhoso
Estendido pelo chão
Sobre ele caminho descalça
São gramas verdes em terra molhada

Que venham as abissais tristezas
Com seus palácios de gelo
E seus vãos mal assombrados
Entre eles rostos petrificados
São obras de arte nas paredes

Que venham as antigas memórias
Com suas cidades fantasma
Por suas ruas caminho acordada
Pois que meus olhos ganharam céu
E minhas mãos carregam flores vermelhas
Tingidas com meu próprio sangue

Denise Magalhães

terça-feira, 16 de outubro de 2012


Ecos

Estava às voltas com minhas coisas de trabalho, entre papéis e livros, lá pelas três da madrugada, quando ouvi ao longe, muito longe, um galo cantando sua natureza solitária, quase um lamento, ecoando na cidade adormecida. Não sei por que o ouvi, quase sempre não escolhemos ouvir isto ou aquilo, fui solicitada por aquele som, que me levou a escutar outros sons, como o de minha própria voz, vinda de mais longe ainda, e nem era mais hora de acordar para o que quer que fosse.

Denise Magalhães

domingo, 30 de setembro de 2012


Fôlego
 
Grito todas as manhãs
Pra alcançar o chão nos pés da cama
Pra pendurar as folhas secas nas janelas
Pra desenhar milhões de letras no juízo
Pra varrer a poeira escura do coração
E sumir na floresta do sono
Quando a noite chegar
Com o seu grito.
 
Denise Magalhães

Amor 1
              Para Aliucha
Eis que tenho um sol
Um céu azul a perder de vista
Uma árvore que me sombreia
E um horizonte fiel
Para onde sempre vou
e que sempre vem pra mim
Com suas mãos firmes e delicadas
Que há tempos seguro, misteriosamente
E que um dia, pequeninas, ensinei a contar.
 
Denise Magalhães